O time nacional da Islândia enfrentou a seleção da França nas quartas de final da copa da UEFA de 2016. Perdeu o jogo, mas gostei de torcer pelo time semiprofissional da ilha do ártico formado por atletas de pequenos times da Europa cujo técnico é dentista por profissão. A minha preferência tem a mesma razão da escolha que fiz pelo Juventus da Mooca como o meu time do coração. Mas como? Eu não sou descendente de italianos e nasci no Bom Retiro e não na Mooca! Explico, o time da Islândia demonstrou que o homem comum representa o verdadeiro espetáculo da vida. Os atletas não sucumbiram, ao menos por enquanto, ao canto da sereia que desencaminhou os ronaldos, os patos e os neymares que se vestiram de brilhos e passaram a viver uma vida esterilizada, descasada do mundo real. São algo que se convencionou chamar de celebridades. Ao visitar a Islândia compreendi o espírito simples do povo islandês. A fragilidade dos seus habitantes expostos aos desígnios da natureza os obriga a construir estradas e pontes sem luxo, pois a cada 50 ou 60 anos uma erupção varrê-las-á do mapa. As casas são simples como simples é a vida dos habitantes da ilha. Sem idealizar, são pessoas que como qualquer um de nós tem as suas fragilidades, desvios e preconceitos. Me recordo de um episódio quando um grupo de jovens islandeses cuspiu na nossa direção quando caminhávamos pela praça principal da cidade de Reykjavík. Reagem ao estrangeiro como vemos acontecer em outros locais da Europa. Foi ao final da segunda guerra que o país ganhou independência, mas a presença das forças da OTAN, as novas indústrias, a urbanização acentuada e o crescente contato com outros países, romperam o isolamento da sociedade islandesa. Reykjavík abrigou o jogo de xadrez entre Fisher e Spassky em 1972 e foi lá que Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev se encontraram em outubro de 1986 traçando a rota para o final da guerra fria. As artes refletiram a ruptura com os conceitos tradicionais, na pintura, escultura e na arquitetura, basta observar a catedral de Reykjavík. A literatura chama a atenção pelo seu enraizamento social que levou a UNESCO a considerar Reykjavík uma das capitais mundiais da literatura. Um país cujo símbolo são as “Sagas”, um conjunto de textos que relatam a história do povo islandês, só poderia amar a literatura. Uma lista de nomes de autores aparece no pós guerra como Snorri Hjartarson, Jón Jónsson, Einar Bragi Sigurdsson, Elias Mar, Gudbergur Bergsson, Frida Sigrdardóttir e Alldór Laxness (na fotografia acima), o mais conhecido dos autores islandeses. O tamanho da lista contrasta com o tamanho do país, com poucos habitantes que são leitores dedicados e cultuam os seus escritores, tal como vi no museu dedicado a Thorbergur Thordarson (website: thorbergur.is). Outro museu que abriga a memória de Laxness, foi montado na sua antiga morada, que transpira vida tal qual fosse habitada pelo escritor. A equipe de futebol da Islândia não serve para quem deseja falsos ídolos, mas é importante para quem busca valores. A vida simples é a lição que a Islândia nos dá, sem brilhos, sem celebridades efêmeras, cultivando a literatura do dia a dia e a vida do homem comum. Ah, o Juventus da Mooca também.

Em junho de 2018 a seleção da Islândia, sob o comando do mesmo técnico-dentista, empatou com a seleção da Argentina. Nos últimos anos o turismo cresceu no pequeno país que passou a sofrer transformações consideráveis. Se, por um lado, ainda não perdeu o caráter de intimidade conferido pela pequena dimensão, por outro lado o isolamento foi rompido, com todos os efeitos que tal fato poderá gerar. Alguns dos jogadores da seleção agora jogam no rico futebol da liga europeia. Uma coisa não mudou, o país continua sendo um país de escritores, os vulcões e os glaciais continuam a sua presença altiva, silenciosa, permanente.

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